quarta-feira, 11 de abril de 2018

MARABÁ - UM POUCO DE HISTÓRIA


Igreja de São Félix de Valois - Crédito: Arnilson Assis
As origens de Marabá se confundem com a descoberta do caucho. O fascinio da industria extractiva preside ao primeiro agglomerado marabaense. Marabá, centro de convergencia do sertão goyano e maranhense. Da rusticidade de uma barraca ao dynamismo de uma cidade florescente.

Victima da lucta fratricida que por algum tempo ensanguentou o norte de Goyaz, o Coronel Carlos Gomes Leitão, prestimoso chefe politico de Boa Vista, vencido e sem elementos de resistencia, resolveu abandonar os pagos goyanos e buscar territorio paraense um asylo que o puzesse a salvo da vingança dos inimigos politicos. Desde então o Tocantins, em companhia da familia e de uma dezena de antigo partidarios fiéis e veio estabelecer-se, cerca de uma legua abaixo da foz do Itacyuna, num altiplano, onde ergueu a sua palhoça a cavalleiro do grande rio.


Espirito organizador e pratico, ao Coronel Carlos Leitão, de prompto se afervorou a idéa de crear ali um nucleo agricola, para o que pediu e obteve do governador do Pará, Dr. Paes de Carvalho uma verba de cem contos, á guisa de auxilio. Em pouco tempo a nova colonia se viu augmentada, com o contigente que lhe traziam os sertanejos goyanos, tentados pelo prestigio e pela tenacidade batalhadora do velho politico bôa-vistense. Sertanejos na maior parte, affeitos mais ás loucas correrias das vaquejadas nos campos geraes do alto Tocantins-Araguaya, que aos trabalhos roceiros do plantio e colheita de uma colonia agricola, os companheiros de Carlos Leitão, em breve, começaram a sentir os estreitos aquelles horizontes, apertados entre a matta inviolada e o rio immenso. E surgiram os primeiros desejos de entrar a selva virgem em busca dos campos, dos longiguos campos que se distendiam, longe, nas vertentes do Xingú. Mas as primeiras tentativas, talvez por açodadas, foram infructiferas. Nem por isso, emtanto, desanimaram e, quando os irmãos Pimentel, Hermínio e Antão, se decidiram a tentar a descoberta dos sonhados campos geraes do Xingú, em Dezembro de 1895, foi ao Burgo do Itacayuna que iniciaram a exploração.

Na ultima entrada que emprehenderam, alvejaram, casualmente, a tiro, só pelo prazer de experimentar a lazarina que conduziam, uma magestosa arvore desconhecida que se lhes deparou no caminho. Approximando-se da arvore atingida, viram, surpresos, que escorria copioso leite das feridas produzidas pelo chumbo, e sem dar tento á causa de tão extranho phenomeno, seguiram jornada, acompanhados de tres robustos rapazes que carregavam as provisões da viagem.

Dias e dias caminharam, terçando rumos, subindo morros, acompanhando o curso de rios, assignalando trilhas, sem que jamais os campos surgissem, nos longes dos horisontes. As provisões minguavam, as munições se acabam e receosos de possiveis ataques de indios que os renteavam ameaçadores, com toques de boré, resolveram volver ao Burgo pelo mesmo caminho.

E voltavam desanimados, abatidos, quando ao defrontarem a arvore que lhes servira de alvo dias antes, notaram que a seiva estravasada coagulara. Herminio, pais perspicaz e curioso que o irmão, colheu a pequena porção do leite coagulado, e acondicionou-a numa latinha oval que trazia pendente á cinta com aprestos de fumantes.

Carlos Leitão, o fundador do Burgo, ao receber dos exploradores a prova da providencial descoberta e avaliando o que aquillo representava, deu rebate restivo na colonia e acto continuo fez servir aos exploradores e aos presentes varias bebidas em regosijo. Foi um dia de intenso jubilo para aquelles rudes colonos que já presentiam assim que a uberrima e desconhecida zona percorrida, guardava silenciosa, como um thesouro occulto, uma riqueza incomparavel.

Sobrevinda a reflexão, Carlos Leitão enviou aquelle leitie assim coagulado ao commerciante de Belém, Alfredo da Rocha Pereira, o qual, depois de submetter a amostra ao exame dos competentes, deu conta do resultado nestes termos: - "Caucho de excellente qualidade." Celere repercutiu a alviçareira notícia pelos sertões em fóra, convergindo todas as attenções e esperanças para a nova descoberta. Em breve, com a immigração em massa dos goyanos e maranhenses, o Itacayuna em largo trecho se povoava.

Francisco Coelho da Silva, então residente em Grajahú, onde constituíra familia e tinha casa de commercio, de cujo portal pendia uma taboleta com o título Marabá, attrahido pelo fascínio dos grandes cauchaes do Itacayuna e sobretudo pela miragem das riquezas que ahi se colhiam rapidamente, transportou-se para o Burgo, onde chegou em 1897. Já prospera e lucrativa se incrementava a industria do caucho.

Receoso do impaludismo que assolava os habitantes do Burgo e com a ambição de negociar com os extractores de caucho que passando pela foz do Itacayuna, subiam o Tocantins para mercar com o Coronel Raymundo José dos Passos Maravilha, morador no logar Secco Grande, Francisco Coelho deixou o Burgo e veio estabelecer-se na juncção dos rios Tocantins e Itacayuna, ahi desembarcando na manhã de 7 de Junho de 1898.

Nessa ponta de terra ergueu uma tosca barraca coberta de folhas de babassú, para abrigo seu e da família, derribando o matto em larga extensão, ao derredor, no intuito de conhecer a topographia do pequeno alojamento e precaver-se contra as enchentes hibernaes.

Francisco Coelho, algo inclinado ás musas, gostava de manusear as obras de Gonçalves Dias, de que lhe ficara talvez a boiar no espírito a visão dulcissima de Marabá, - aquella "triste feitura de Tupan", chegando a compor um soneto com esse título, do qual não existe, por ter ficado inedito, senão a tradição conservada pelos amigos.

A´ sua nova moradia deu o nome de Marabá, em lembrança á sua antiga loja de Grajahú. Em breve, Ricardo Maranhão, Pedro Limeira, Julio Noronha, João Martins d´Almeida, Fortunato Bandeira, Francisco Casemiro de Souza e muitos outros, vieram reunir-se a Francisco Coelho, surgindo a pouco e pouco, em torno daquellas palhoças um pequeno arraial. Nas rodas que se formavam para o cavaco diario entre os companheiros de lucta, Francisco Coelho costumava dizer, como antevendo os dias que não vinham longe: "Aqui para o futuro, será uma grande cidade."

Ponto obrigatório dos caucheiros que subiam ou desciam o Itacayuna, o pequenino arraial foi se alargando, e cedo tornou-se o entreposto commercial dos dois rios: ahi se aviava e contractava o pessoal para o serviço da extracção do caucho, dahi partiam as levas exploradoras, Itacayunas acima, ahi vinham ter as miricicas dos caucheiros venturosos.

Francisco Coelho, depois de uma vida de lucta morreu pobre na propria terra que o seu esforço desbravara. Nem uma pedra, por muito tempo, lhe assignalou siquer o ultimo  leito, cavado ali num recanto da terra marabaense que elle tanto amou, ignorado quasi dos homens, e apenas, nos dias de innundação visitado pelas enchentes do rio.

Por occasião da instalaçaõ da cidade, a 13 de Maio de 1923, como um preito de saudade e veneração da Municipalidade marabaense, frei Alberto Venery celebrou missa campal sobre a campa do obscuro fundador de Marabá.

Em 1901 Marabá contava já um consideravel numero de habitantes, varias casas de commercio em boas condições, e muitas de residencia, com relativo conforto.

As transaçõoes commerciais faziam-se com a praça de Belem, descendo o caucho até Alcobaça em canôas de 8, 10, até 20 remos e vogas, de lotação nunca superior a 20 toneladas, gastando as embarcações maiores, cerca de dois mezes, viagem de ida e volta.

A importação do gado e cereaes para consumo publico fazia-se, como ainda hoje, em grande escala com as villas de Imperatriz, no Maranhão, e S. Vicente e povoação do Lago em Goyas. O gado vinha do sertão por estradas que marginam os rios Araguaya e Tocantins, distribuindo-se pelas ilhas e adjacencias onde se refazia e aguardava o córte para o consumo de Marabá.

A estrada do Araguaya foi aberta por uma commissão que explorou o Tocantins e o Araguaya e cujo chefe foi o engenheiro Florencio do Lago, em 1874. Essa estrada tinha por fim o transporte do gado de Goyaz, por S. Vicente até Alcobaça e para facilitar a passagem do Araguaya, cuja largura ahi mede 1.735 metros, construiu-se uma barca na qual passaram de 20 de Março a 31 de Dezembro de 1874, de Goyas para o Pará, 850 cabeças de gado. A referida barca tinha 13m,20 de comprimento e 0m,77 de frontal, com a lotação de 30 rezes: data desse tempo o nome de Porto da Barca, dado ao porto fronteiro a S. Vicente.

Em constante progresso, Marabá attingiu 1908. O commercio assumindo proporções consideraveis e a população cada vez maior, alguns dirigentes então da política local, levados por máos conselhos, fizeram uma representação ao Presidente do Estado de Goyaz, pedindo a annexação de Marabá áquelle Estado. O Governo do Pará, sciente do que se tramava, expediu um contingente de força policial do Estado, sob o commando dos briosos officaies, tenenente Manoel José da Silva e alferes Fernando Augusto de Paiva, ás ordens do Dr. Francisco de Carvalho Nobre, para garantir os direitos de Estado. Nesse mesmo tempo chegava de Goyaz, via Conceição de Araguaya, a nomeação de agente fiscal de Marabá, para o tenente-coronel Norberto da Silva Mello, então ausente. O portador, Sergio Prado, intimado pelo Dr. C. Nobre a entregar-lhe a correspondencia, confiou-a ao illustre clinico Dr. Arthur Bandeira, em cujo poder lhe pareceu marias garantida. Sciente o Dr. Carvalho Nobre de que a correspondencia já se achava em poder do Dr. Bandeira, pessoalmente intimou-o a entregar-lh'a, só o conseguindo mediante uma busca realizada na casa daquelle medico.

Por occasião desses acontecimentos importantes na vida política de Marabá, foi installada a comarca de S. João do Araguaya, creada com a lei 1.069 de 5 de Novembro de 1908, ficando Marabá como Districto Judiciario. Vale apontar aqui, á guisa de testemunho do progresso de Marabá, o apparecimento, ali a 20 de Fevereiro de 1913, de um bem confeccionado semanario - O Itacayuna, tendo a frente como Redactor Chefe o pharmaceutico Manoel Domingues.

O Itacayuna foi adquirido por uma sociedade anonyma, sendo encarregados da compra Alfredo Monção, espirito culto e poeta dedicado e Alfredo Neves, moço de educação aprimorada, que a Marabá tinha ido a negócios da firma da praça de Belem, Pereira Lemos & Cia, da qual era socio. Teve infelizmente pouca duração O Itacayuna, sendo o material typographico vendido e transportador para Carolina, no Maranhão.

Em 1912, os marabaenses, representados pelos homens mais dignos do logar, conseguiram do governador do Estado, Dr. Eneas Martins, o desmembramento de Marabá do Município de S. João do Araguaya, em virtude da lei 1.278 de 27 de Fevereiro de 1913. foi nomeado representante legal do Governador, o capitão Pedro Peres Fontenelle, em officio n. 636 de 4 de Março do mesmo anno. Serviram de secretarios, o tenente Raymundo Nonnato Gaspar, prefeito em commissão e Manoel Gonçalves de Castro, sendo a commissão administrativa composta de: Presidente, tenente-coronel Antonio da Rocha Maia; membros, major Quirino Franco de Castro, então ausente. A acta foi assignada por mais 62 cidadãos que assistiram áquella solennidade, de profunda repercussão na vida politica de Marabá.

A 5 de Abril do mesmo anno (1913), installava-se o Município de Marabá. Em virtude do rapido progresso da florescente localidade, Marabá foi elevada á séde da Comarca pelo Dec. 3.057 de 7 de Fevereiro de 1914, sendo installada a 27 de Março pelo seu primeiro Juiz de Direito Dr. José Elias Monteiro Lopes, com grande assistencia do povo marabanese, sendo a acta assignada por 77 eleitores. O seu primeiro Intendente eleito foi o coronoel Antonio da Rocha Maia, que tomou posse a 15 de Novembro de 1914.

Em 24 de Junho de 1916 aportava em Marabá o primeiro motor denominado "Pedrina", de propriedade de Alfredo Monção, um dos antigos propugnadores do progresso marabaense. Hoje, Marabá conta cerca de 80 motores que fazem o transporte dos productos do Município até Alcobaça, num percurso de 201 kilometros, em tres dias de ida e volta. Maraba, desde 1923 acha-se sob a honesta e proficua direcção do coronel João Anastácio de Queiroz, que vem norteando o seu governo sob um molde largo e fecundo de realisações. Sob sua administração, Marabá foi elevada á cathegoria de cidade, em virtude da lei 2.207 de 27 de Outubro de 1923, cujo projecto foi apresentado na Camara dos Deputados, pelo Dr. Deodoro Mendonça, o luctador incançavel e imperterrito em prol dos grandes interesses do Tocantins.

Texto extraído da obra "Viagem ao Tocantins", páginas 13 a 17, considerada apócrifa, escrita em 1926 logo após a visita do saudoso Dr. Deodoro Machado Mendonça. 






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