As origens de
Marabá se confundem com a descoberta do caucho. O fascinio da industria
extractiva preside ao primeiro agglomerado marabaense. Marabá, centro de
convergencia do sertão goyano e maranhense. Da rusticidade de uma barraca ao
dynamismo de uma cidade florescente.
Victima da lucta
fratricida que por algum tempo ensanguentou o norte de Goyaz, o Coronel Carlos
Gomes Leitão, prestimoso chefe politico de Boa Vista, vencido e sem elementos
de resistencia, resolveu abandonar os pagos goyanos e buscar territorio
paraense um asylo que o puzesse a salvo da vingança dos inimigos politicos.
Desde então o Tocantins, em companhia da familia e de uma dezena de antigo
partidarios fiéis e veio estabelecer-se, cerca de uma legua abaixo da foz do
Itacyuna, num altiplano, onde ergueu a sua palhoça a cavalleiro do grande rio.
Espirito
organizador e pratico, ao Coronel Carlos Leitão, de prompto se afervorou a idéa
de crear ali um nucleo agricola, para o que pediu e obteve do governador do
Pará, Dr. Paes de Carvalho uma verba de cem contos, á guisa de auxilio. Em
pouco tempo a nova colonia se viu augmentada, com o contigente que lhe traziam
os sertanejos goyanos, tentados pelo prestigio e pela tenacidade batalhadora do
velho politico bôa-vistense. Sertanejos na maior parte, affeitos mais ás loucas
correrias das vaquejadas nos campos geraes do alto Tocantins-Araguaya, que aos
trabalhos roceiros do plantio e colheita de uma colonia agricola, os
companheiros de Carlos Leitão, em breve, começaram a sentir os estreitos
aquelles horizontes, apertados entre a matta inviolada e o rio immenso. E
surgiram os primeiros desejos de entrar a selva virgem em busca dos campos, dos
longiguos campos que se distendiam, longe, nas vertentes do Xingú. Mas as
primeiras tentativas, talvez por açodadas, foram infructiferas. Nem por isso,
emtanto, desanimaram e, quando os irmãos Pimentel, Hermínio e Antão, se
decidiram a tentar a descoberta dos sonhados campos geraes do Xingú, em
Dezembro de 1895, foi ao Burgo do Itacayuna que iniciaram a exploração.
Na ultima entrada
que emprehenderam, alvejaram, casualmente, a tiro, só pelo prazer de
experimentar a lazarina que conduziam, uma magestosa arvore desconhecida que se
lhes deparou no caminho. Approximando-se da arvore atingida, viram, surpresos,
que escorria copioso leite das feridas produzidas pelo chumbo, e sem dar tento
á causa de tão extranho phenomeno, seguiram jornada, acompanhados de tres
robustos rapazes que carregavam as provisões da viagem.
Dias e dias
caminharam, terçando rumos, subindo morros, acompanhando o curso de rios,
assignalando trilhas, sem que jamais os campos surgissem, nos longes dos
horisontes. As provisões minguavam, as munições se acabam e receosos de
possiveis ataques de indios que os renteavam ameaçadores, com toques de boré,
resolveram volver ao Burgo pelo mesmo caminho.
E voltavam
desanimados, abatidos, quando ao defrontarem a arvore que lhes servira de alvo
dias antes, notaram que a seiva estravasada coagulara. Herminio, pais perspicaz
e curioso que o irmão, colheu a pequena porção do leite coagulado, e
acondicionou-a numa latinha oval que trazia pendente á cinta com aprestos de
fumantes.
Carlos Leitão, o
fundador do Burgo, ao receber dos exploradores a prova da providencial
descoberta e avaliando o que aquillo representava, deu rebate restivo na
colonia e acto continuo fez servir aos exploradores e aos presentes varias
bebidas em regosijo. Foi um dia de intenso jubilo para aquelles rudes colonos
que já presentiam assim que a uberrima e desconhecida zona percorrida, guardava
silenciosa, como um thesouro occulto, uma riqueza incomparavel.
Sobrevinda a
reflexão, Carlos Leitão enviou aquelle leitie assim coagulado ao commerciante
de Belém, Alfredo da Rocha Pereira, o qual, depois de submetter a amostra ao
exame dos competentes, deu conta do resultado nestes termos: - "Caucho de
excellente qualidade." Celere repercutiu a alviçareira notícia pelos
sertões em fóra, convergindo todas as attenções e esperanças para a nova
descoberta. Em breve, com a immigração em massa dos goyanos e maranhenses, o
Itacayuna em largo trecho se povoava.
Francisco Coelho
da Silva, então residente em Grajahú, onde constituíra familia e tinha casa de
commercio, de cujo portal pendia uma taboleta com o título Marabá, attrahido
pelo fascínio dos grandes cauchaes do Itacayuna e sobretudo pela miragem das
riquezas que ahi se colhiam rapidamente, transportou-se para o Burgo, onde
chegou em 1897. Já prospera e lucrativa se incrementava a industria do caucho.
Receoso do
impaludismo que assolava os habitantes do Burgo e com a ambição de negociar com
os extractores de caucho que passando pela foz do Itacayuna, subiam o Tocantins
para mercar com o Coronel Raymundo José dos Passos Maravilha, morador no logar
Secco Grande, Francisco Coelho deixou o Burgo e veio estabelecer-se na juncção
dos rios Tocantins e Itacayuna, ahi desembarcando na manhã de 7 de Junho de
1898.
Nessa ponta de
terra ergueu uma tosca barraca coberta de folhas de babassú, para abrigo seu e
da família, derribando o matto em larga extensão, ao derredor, no intuito de
conhecer a topographia do pequeno alojamento e precaver-se contra as enchentes
hibernaes.
Francisco Coelho,
algo inclinado ás musas, gostava de manusear as obras de Gonçalves Dias, de que
lhe ficara talvez a boiar no espírito a visão dulcissima de Marabá, - aquella
"triste feitura de Tupan", chegando a compor um soneto com esse
título, do qual não existe, por ter ficado inedito, senão a tradição conservada
pelos amigos.
A´ sua nova
moradia deu o nome de Marabá, em lembrança á sua antiga loja de Grajahú. Em
breve, Ricardo Maranhão, Pedro Limeira, Julio Noronha, João Martins d´Almeida,
Fortunato Bandeira, Francisco Casemiro de Souza e muitos outros, vieram
reunir-se a Francisco Coelho, surgindo a pouco e pouco, em torno daquellas
palhoças um pequeno arraial. Nas rodas que se formavam para o cavaco diario
entre os companheiros de lucta, Francisco Coelho costumava dizer, como
antevendo os dias que não vinham longe: "Aqui para o futuro, será uma
grande cidade."
Ponto obrigatório
dos caucheiros que subiam ou desciam o Itacayuna, o pequenino arraial foi se
alargando, e cedo tornou-se o entreposto commercial dos dois rios: ahi se
aviava e contractava o pessoal para o serviço da extracção do caucho, dahi
partiam as levas exploradoras, Itacayunas acima, ahi vinham ter as miricicas dos
caucheiros venturosos.
Francisco Coelho,
depois de uma vida de lucta morreu pobre na propria terra que o seu esforço
desbravara. Nem uma pedra, por muito tempo, lhe assignalou siquer o
ultimo leito, cavado ali num recanto da terra marabaense que elle tanto
amou, ignorado quasi dos homens, e apenas, nos dias de innundação visitado
pelas enchentes do rio.
Por occasião da
instalaçaõ da cidade, a 13 de Maio de 1923, como um preito de saudade e
veneração da Municipalidade marabaense, frei Alberto Venery celebrou missa
campal sobre a campa do obscuro fundador de Marabá.
Em 1901 Marabá
contava já um consideravel numero de habitantes, varias casas de commercio em
boas condições, e muitas de residencia, com relativo conforto.
As transaçõoes
commerciais faziam-se com a praça de Belem, descendo o caucho até Alcobaça em
canôas de 8, 10, até 20 remos e vogas, de lotação nunca superior a 20
toneladas, gastando as embarcações maiores, cerca de dois mezes, viagem de ida
e volta.
A importação do
gado e cereaes para consumo publico fazia-se, como ainda hoje, em grande escala
com as villas de Imperatriz, no Maranhão, e S. Vicente e povoação do Lago em
Goyas. O gado vinha do sertão por estradas que marginam os rios Araguaya e
Tocantins, distribuindo-se pelas ilhas e adjacencias onde se refazia e
aguardava o córte para o consumo de Marabá.
A estrada do
Araguaya foi aberta por uma commissão que explorou o Tocantins e o Araguaya e
cujo chefe foi o engenheiro Florencio do Lago, em 1874. Essa estrada tinha por
fim o transporte do gado de Goyaz, por S. Vicente até Alcobaça e para facilitar
a passagem do Araguaya, cuja largura ahi mede 1.735 metros, construiu-se uma
barca na qual passaram de 20 de Março a 31 de Dezembro de 1874, de Goyas para o
Pará, 850 cabeças de gado. A referida barca tinha 13m,20 de comprimento e 0m,77
de frontal, com a lotação de 30 rezes: data desse tempo o nome de Porto da
Barca, dado ao porto fronteiro a S. Vicente.
Em constante
progresso, Marabá attingiu 1908. O commercio assumindo proporções consideraveis
e a população cada vez maior, alguns dirigentes então da política local,
levados por máos conselhos, fizeram uma representação ao Presidente do Estado
de Goyaz, pedindo a annexação de Marabá áquelle Estado. O Governo do Pará,
sciente do que se tramava, expediu um contingente de força policial do Estado,
sob o commando dos briosos officaies, tenenente Manoel José da Silva e alferes
Fernando Augusto de Paiva, ás ordens do Dr. Francisco de Carvalho Nobre, para
garantir os direitos de Estado. Nesse mesmo tempo chegava de Goyaz, via
Conceição de Araguaya, a nomeação de agente fiscal de Marabá, para o tenente-coronel
Norberto da Silva Mello, então ausente. O portador, Sergio Prado, intimado pelo
Dr. C. Nobre a entregar-lhe a correspondencia, confiou-a ao illustre clinico
Dr. Arthur Bandeira, em cujo poder lhe pareceu marias garantida. Sciente o Dr.
Carvalho Nobre de que a correspondencia já se achava em poder do Dr. Bandeira,
pessoalmente intimou-o a entregar-lh'a, só o conseguindo mediante uma busca
realizada na casa daquelle medico.
Por occasião
desses acontecimentos importantes na vida política de Marabá, foi installada a
comarca de S. João do Araguaya, creada com a lei 1.069 de 5 de Novembro de
1908, ficando Marabá como Districto Judiciario. Vale apontar aqui, á guisa de
testemunho do progresso de Marabá, o apparecimento, ali a 20 de Fevereiro de
1913, de um bem confeccionado semanario - O Itacayuna, tendo a
frente como Redactor Chefe o pharmaceutico Manoel Domingues.
O Itacayuna foi adquirido por uma
sociedade anonyma, sendo encarregados da compra Alfredo Monção, espirito culto
e poeta dedicado e Alfredo Neves, moço de educação aprimorada, que a Marabá
tinha ido a negócios da firma da praça de Belem, Pereira Lemos & Cia, da
qual era socio. Teve infelizmente pouca duração O Itacayuna, sendo
o material typographico vendido e transportador para Carolina, no Maranhão.
Em 1912, os
marabaenses, representados pelos homens mais dignos do logar, conseguiram do
governador do Estado, Dr. Eneas Martins, o desmembramento de Marabá do
Município de S. João do Araguaya, em virtude da lei 1.278 de 27 de Fevereiro de
1913. foi nomeado representante legal do Governador, o capitão Pedro Peres
Fontenelle, em officio n. 636 de 4 de Março do mesmo anno. Serviram de
secretarios, o tenente Raymundo Nonnato Gaspar, prefeito em commissão e Manoel
Gonçalves de Castro, sendo a commissão administrativa composta de: Presidente,
tenente-coronel Antonio da Rocha Maia; membros, major Quirino Franco de Castro,
então ausente. A acta foi assignada por mais 62 cidadãos que assistiram áquella
solennidade, de profunda repercussão na vida politica de Marabá.
A 5 de Abril do
mesmo anno (1913), installava-se o Município de Marabá. Em virtude do rapido
progresso da florescente localidade, Marabá foi elevada á séde da Comarca pelo
Dec. 3.057 de 7 de Fevereiro de 1914, sendo installada a 27 de Março pelo seu
primeiro Juiz de Direito Dr. José Elias Monteiro Lopes, com grande assistencia
do povo marabanese, sendo a acta assignada por 77 eleitores. O seu primeiro
Intendente eleito foi o coronoel Antonio da Rocha Maia, que tomou posse a 15 de
Novembro de 1914.
Em 24 de Junho de
1916 aportava em Marabá o primeiro motor denominado "Pedrina", de
propriedade de Alfredo Monção, um dos antigos propugnadores do progresso
marabaense. Hoje, Marabá conta cerca de 80 motores que fazem o transporte dos
productos do Município até Alcobaça, num percurso de 201 kilometros, em tres
dias de ida e volta. Maraba, desde 1923 acha-se sob a honesta e proficua
direcção do coronel João Anastácio de Queiroz, que vem norteando o seu governo
sob um molde largo e fecundo de realisações. Sob sua administração, Marabá foi
elevada á cathegoria de cidade, em virtude da lei 2.207 de 27 de Outubro de
1923, cujo projecto foi apresentado na Camara dos Deputados, pelo Dr. Deodoro
Mendonça, o luctador incançavel e imperterrito em prol dos grandes interesses
do Tocantins.
Texto extraído da
obra "Viagem ao Tocantins", páginas 13 a 17, considerada apócrifa,
escrita em 1926 logo após a visita do saudoso Dr. Deodoro Machado
Mendonça.
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