Estamos na casa dos 5 milhões de turistas internacionais desde 1998 (Divulgação/Exame/Divulgação) |
O mundo está viajando cada vez mais, é verdade. De acordo com o relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC) de 2016, o turismo cresce há cinco anos consecutivos mais do que a economia global, principalmente nos países em desenvolvimento.
Mas o Brasil não está nesse bonde: estamos na casa
dos 5 milhões de turistas internacionais desde 1998. Ou seja, se a nossa economia vive uma recessão nos
últimos anos, o turismo já está assim
há quase duas décadas.
QUEM
NÃO APARECE NÃO É VISTO
A vinda de grandes eventos
esportivos deveria turbinar o turismo,
mas a Copa acabou tendo um efeito apenas pontual (um salto para 6,4 milhões de visitantes em 2014 – 30% mais
do que a média). O Brasil não fez a lição de casa decomunicação
e marketing e esperou que os jogos agissem por si só.
Para as Olimpíadas, a
ação mais poderosa foi a isenção de visto
para americanos, canadenses, australianos e japoneses entre 1º de junho e 18 de setembro.
“Desde os Jogos
Pan-Americanos em 2007, o Brasil tem tido
um alto grau deexposição,
mas por falta de projetos
especiais de divulgação isso
está sendo mal aproveitado”, explica Ricardo Uvinha, professor do programa de pós-graduação em turismo da USP.
A imagem do Brasil no
exterior acaba manchada pelo noticiário negativo: em vez de praias,
cachoeiras ou cidades históricas, o que
mais se vê lá fora
sobre nós tem a ver com violência, crise econômica e desastres como o de Mariana.
No Foreign
Travel Advice (“conselhos
para viagens ao exterior”), uma ferramenta online do governo britânico que
analisa cada país em relação
à segurança, oBrasil
aparece com “alto nível de criminalidade”,
com menção a arrastões, assaltos com arma de fogo
e roubos em caixas
eletrônicos.
A
divulgação fraquinha une-se à falta de informação
na internet para travar a vinda dos gringos.
Olhando a
relação dos dez destinos mais visitados, ela quase que se limita a
cidades sem belezas naturais, com São Paulo, Porto Alegre e Brasília, que
dividem a lista com Búzios, Foz do Iguaçú e o Rio, líder (merecido) entre os nossos destinos
mais visitados.
Chapada
Diamantina, Bonito ou os Lençóis Maranhenses, que, convenhamos, não têm menos
potencial turístico que Brasília ou Porto Alegre, nem aparecem na lista.
Isso
acontece porque os turistas estrangeiros mal sabem que esses destinos existem.
E a culpa não é deles.
As
agências de turismo especializadas em destinos
brasileiros não têm sites eminglês, muitos hotéis e
pousadas não estão presentes nas ferramentas de reservas
globais, como o Booking.com, horários de balsas e
ônibus não constam na internet.
Para um
estrangeiro descobrir como ir do aeroporto de Campo
Grande a Bonito ou de Fortaleza até
Jericoacoara, por exemplo, vai levar uma canseira do Google até encontrar uma
informação confiável.
Parques largados: dos
nossos 71 parques nacionais, poucos têm trilhas sinalizadas, guias, áreas de
camping e pousadas. Resultado: eles recebem só 7,1 milhões de visitantes por
ano, contra 307 milhões nos dos EUA
Isso
reflete a falta de preparo geral do País para receber
visitantes, o que vai da sinalização monoglota nas ruas e no
transporte público até garçons, taxistas e guias que não falam língua alguma
que não seja o português.
Falar um
inglês excelente não é imprescindível – bambambãs do turismo como Itália, China
e Tailândia também têm problemas com o idioma.
No
Brasil, porém, a maior parte dos profissionais de serviços
ignora os rudimentos mais básicos do idioma. Aí complica.
BUROCRACIA, SEMPRE ELA
A
infraestrutura ruim também não ajuda. Dos 1,7 milhão de quilômetros
da nossa malha de estradas, pouco mais de 10% são
asfaltadas. Some isso à virtual ausência de transporte
ferroviário, e você tem um pesadelo logístico.
Aviões
são uma alternativa, naturalmente. Mas voar aqui sai caro. É que não temos
companhias aéreas low-cost (de baixo custo),
como acontece na Europa, nos EUA e na Ásia.
Nelas o serviço é reduzido a basicamente o transporte; qualquer extra (como marcação de assento, despacho de mala,
comida, impressão de cartão de embarque e
até SMS informativo) é cobrado à parte, permitindo que a empresa jogue os
preços das passagens lá embaixo.
“No
Brasil, além da carga tributária elevada, as aéreas enfrentam um excesso de regulamentação, já que esse
modelo ‘simples’ é proibido”, diz o advogado
Guilherme Amaral, especialista em direito
aeronáutico.
A falta de infra atinge em cheio os
parques nacionais, que seguem lindos, mas quase às moscas.
Apesar de o Brasil ter sido considerado pelo Fórum
Econômico Mundial como o país com maior potencial
turístico em recursos naturais no mundo, nossos 71 parques
nacionais receberam 7,1 milhões devisitantes em 2015 – sendo que 2,9 milhões se concentraram no Parque Nacional da Tijuca,
encravado na área urbana do Rio.
Para
comparar: os 59 parques nacionais dos EUA receberam 307 milhões de turistas no mesmo período.
Aí não
pesa só o isolamento turístico do Brasil, já que tanto aqui como nos EUA ogrosso dos visitantes de parques
nacionais são turistas nativos.
Mas a
discrepância deixa claro outro problema nosso. Aqui, os parques são mais
encarados como unidades de proteção ambiental do que
como atração turística: poucos têm trilhas sinalizadas, guias, hotéis e
transporte com preços competitivos.
Para
piorar, quem pensa em abrir um negócio de turismo também tem pouco incentivo, dada a
dificuldade de empreender no Brasil: no último relatório do
Banco Mundial, o país aparece na 116ª posição na lista dos
países nos quais é mais fácil abrir e conduzir uma empresa.
O setor de cruzeiros
é um dos que mais sofrem. Em 2010, chegamos a ter 20
navios viajando pela costa brasileira. O número caiu
pela metade em 2015 e, para a temporada de 2016, a previsão era de míseros seis
navios.
Isso
porque quase todos os processos que envolvem a realização de um cruzeiro são caros e complicados, desde a
aprovação da construção de um porto à contratação do
prático (o“manobrista de navio” –
aquela que talvez seja a profissão mais inflacionada do Brasil, com ganhos que
chegam a R$ 300 mil por mês).
“Operar
um porto aqui tem custos 20 vezes maiores do que em outros
destinos. Hoje estamos perdendo nossos navios para China, Austrália, Caribe, Dubai”,
diz Mario Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Cruzeiros
Marítimos.
Além de tudo isso, o Brasil
continua sendo um país quase tão fechado e protecionista quanto era na época da
ditadura militar, já que impõem impostos extorsivos ao capital
estrangeiro.
O último Índice de Abertura de Mercados,
publicado em setembro de 2015 pela
Câmara de Comércio Internacional (CCI), coloca o Brasil na 70ª posição entre 75 países, ficando
atrás da Argentina, Nigéria e Uganda (o ranking é
organizado por grau de abertura comercial, da
maior para a menor).
Dessa
forma, recebemos menos investimentos de fora do
que poderíamos. “E isso
atrapalha o turismo. Um exemplo é Brasília não ter Hyatt,
Hilton ou Sheraton, grandes nomes da hotelaria mundial”, diz Vinicius, da
Embratur. Essa atitude conservadora reflete também na burocracia para entrar no
País.
O governo defende a reciprocidade,
ou seja, que nós exijamos visto dos países que o requerem
para nós. A prática é comum no mundo todo – não se trata de uma aberração do Itamaraty.
Despreparo: a
sinalização monoglota e a falta de prestadores de serviço que se comuniquem em
inglês podem complicar a vida de um turista, e estão entre os porquês de
recebermos poucos visitantes
Mas é
fato que requisitar visto de Japão, Austrália, Canadá
e, principalmente, dos EUA e da China diminui consideravelmente a chance de esses turistas virem passar as férias por
aqui – péssimo negócio se você levar em conta que chineses e americanos são os
viajantes que mais gastam no mundo.
“O fim da reciprocidade diplomática beneficiaria a
nossa economia”, diz Mario Ferraz. Ou seja:
estamos rasgando dinheiro para manter o improdutivo
olho por olho da diplomacia. Tendo em vista essas dificuldades todas, então, já dá para considerar heróis os 5 milhões de turistas que chegam ao Brasil.
E o que eles pensam do País depois de passar uma temporada por aqui? Bom, de acordo com uma pesquisa do Ministério do
Turismo feita em 2014, no fim da
viagem, 95% deles demonstram intenção de voltar.
Ou seja,
mesmo com todas as adversidades, conseguimos conquistar quem vem. Resta fazer
com que mais gente venha.
OS PROBLEMAS DO BRASIL
1.
Portos ruins
Aportar
no Brasil sai 20 vezes mais caro do que lá fora. Culpa do mau estado dos portos
e da burocracia. Nisso, os cruzeiros fogem daqui.
2.
Parques largados
Dos
nossos 71 parques nacionais, poucos têm trilhas sinalizadas, guias, áreas decamping e pousadas. Resultado: eles recebem só 7,1
milhões de visitantes por ano, contra 307
milhões nos dos EUA.
3.
Despreparo
A
sinalização monoglota e a falta de prestadores de serviço que se comuniquem em inglês podem complicar a vida de um turista, e estão entre os porquês de recebermos poucos visitantes.
https://exame.abril.com.br/brasil/por-que-ninguem-viaja-para-o-brasil/
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