sexta-feira, 10 de novembro de 2017

POR QUE (QUASE) NINGUÉM VIAJA PARA O BRASIL?

Estamos na casa dos 5 milhões de turistas internacionais desde 1998 (Divulgação/Exame/Divulgação)
Enquanto o turismo cresce no mundo, o Brasil inteiro recebe menos visitantes que Miami. Onde estamos errando? Se você já passou o fim do ano em Búzios, Floripa ou Morro de São Paulo, provavelmente reclamou da multidão de argentinos e uruguaios invadindo nossa praia. Parece que tem gringo demais tirando férias por aqui, certo? Errado.

mundo está viajando cada vez mais, é verdade. De acordo com o relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC) de 2016, o turismo cresce há cinco anos consecutivos mais do que a economia global, principalmente nos países em desenvolvimento.



Mas o Brasil não está nesse bonde: estamos na casa dos 5 milhões de turistas internacionais desde 1998. Ou seja, se a nossa economia vive uma recessão nos últimos anos, o turismo já está assim há quase duas décadas. 


QUEM NÃO APARECE NÃO É VISTO

A vinda de grandes eventos esportivos deveria turbinar o turismo, mas a Copa acabou tendo um efeito apenas pontual (um salto para 6,4 milhões de visitantes em 2014 – 30% mais do que a média). O Brasil não fez a lição de casa decomunicação e marketing e esperou que os jogos agissem por si só.

Para as Olimpíadas, a ação mais poderosa foi a isenção de visto para americanos, canadenses, australianos e japoneses entre 1º de junho e 18 de setembro. 

“Desde os Jogos Pan-Americanos em 2007, o Brasil tem tido um alto grau deexposição, mas por falta de projetos especiais de divulgação isso está sendo mal aproveitado”, explica Ricardo Uvinha, professor do programa de pós-graduação em turismo da USP.

A imagem do Brasil no exterior acaba manchada pelo noticiário negativo: em vez de praias, cachoeiras ou cidades históricas, o que mais se vê lá fora sobre nós tem a ver com violência, crise econômica e desastres como o de Mariana.

No Foreign Travel Advice (“conselhos para viagens ao exterior”), uma ferramenta online do governo britânico que analisa cada país em relação à segurança, oBrasil aparece com “alto nível de criminalidade”, com menção a arrastões, assaltos com arma de fogo e roubos em caixas eletrônicos.

São citadas também manifestações políticas violentas e risco de zika. 




A divulgação fraquinha une-se à falta de informação na internet para travar a vinda dos gringos.

Olhando a relação dos dez destinos mais visitados, ela quase que se limita a cidades sem belezas naturais, com São Paulo, Porto Alegre e Brasília, que dividem a lista com Búzios, Foz do Iguaçú e o Rio, líder (merecido) entre os nossos destinos mais visitados. 

Chapada Diamantina, Bonito ou os Lençóis Maranhenses, que, convenhamos, não têm menos potencial turístico que Brasília ou Porto Alegre, nem aparecem na lista. 

Isso acontece porque os turistas estrangeiros mal sabem que esses destinos existem. E a culpa não é deles.

As agências de turismo especializadas em destinos brasileiros não têm sites eminglês, muitos hotéis e pousadas não estão presentes nas ferramentas de reservas globais, como o Booking.com, horários de balsas e ônibus não constam na internet.

Para um estrangeiro descobrir como ir do aeroporto de Campo Grande a Bonito ou de Fortaleza até Jericoacoara, por exemplo, vai levar uma canseira do Google até encontrar uma informação confiável.

Parques largados: dos nossos 71 parques nacionais, poucos têm trilhas sinalizadas, guias, áreas de camping e pousadas. Resultado: eles recebem só 7,1 milhões de visitantes por ano, contra 307 milhões nos dos EUA 

Isso reflete a falta de preparo geral do País para receber visitantes, o que vai da sinalização monoglota nas ruas e no transporte público até garçons, taxistas e guias que não falam língua alguma que não seja o português.

Falar um inglês excelente não é imprescindível – bambambãs do turismo como Itália, China e Tailândia também têm problemas com o idioma. 

No Brasil, porém, a maior parte dos profissionais de serviços ignora os rudimentos mais básicos do idioma. Aí complica. 

BUROCRACIA, SEMPRE ELA 

A infraestrutura ruim também não ajuda. Dos 1,7 milhão de quilômetros da nossa malha de estradas, pouco mais de 10% são asfaltadas. Some isso à virtual ausência de transporte ferroviário, e você tem um pesadelo logístico.

Aviões são uma alternativa, naturalmente. Mas voar aqui sai caro. É que não temos companhias aéreas low-cost (de baixo custo), como acontece na Europa, nos EUA e na Ásia.

Nelas o serviço é reduzido a basicamente o transporte; qualquer extra (como marcação de assento, despacho de mala, comida, impressão de cartão de embarque e até SMS informativo) é cobrado à parte, permitindo que a empresa jogue os preços das passagens lá embaixo.

“No Brasil, além da carga tributária elevada, as aéreas enfrentam um excesso de regulamentação, já que esse modelo ‘simples’ é proibido”, diz o advogado Guilherme Amaral, especialista em direito aeronáutico. 

A falta de infra atinge em cheio os parques nacionais, que seguem lindos, mas quase às moscas. 

Apesar de o Brasil ter sido considerado pelo Fórum Econômico Mundial como o país com maior potencial turístico em recursos naturais no mundo, nossos 71 parques nacionais receberam 7,1 milhões devisitantes em 2015 – sendo que 2,9 milhões se concentraram no Parque Nacional da Tijuca, encravado na área urbana do Rio. 

Para comparar: os 59 parques nacionais dos EUA receberam 307 milhões de turistas no mesmo período.

Aí não pesa só o isolamento turístico do Brasil, já que tanto aqui como nos EUA ogrosso dos visitantes de parques nacionais são turistas nativos. 

Mas a discrepância deixa claro outro problema nosso. Aqui, os parques são mais encarados como unidades de proteção ambiental do que como atração turística: poucos têm trilhas sinalizadas, guias, hotéis e transporte com preços competitivos.

Para piorar, quem pensa em abrir um negócio de turismo também tem pouco incentivo, dada a dificuldade de empreender no Brasil: no último relatório do Banco Mundial, o país aparece na 116ª posição na lista dos países nos quais é mais fácil abrir e conduzir uma empresa.

setor de cruzeiros é um dos que mais sofrem. Em 2010, chegamos a ter 20 navios viajando pela costa brasileira. O número caiu pela metade em 2015 e, para a temporada de 2016, a previsão era de míseros seis navios. 

Isso porque quase todos os processos que envolvem a realização de um cruzeiro são caros e complicados, desde a aprovação da construção de um porto à contratação do prático (o“manobrista de navio” – aquela que talvez seja a profissão mais inflacionada do Brasil, com ganhos que chegam a R$ 300 mil por mês). 

“Operar um porto aqui tem custos 20 vezes maiores do que em outros destinos. Hoje estamos perdendo nossos navios para China, Austrália, Caribe, Dubai”, diz Mario Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos. 

Além de tudo isso, o Brasil continua sendo um país quase tão fechado e protecionista quanto era na época da ditadura militar, já que impõem impostos extorsivos ao capital estrangeiro.

último Índice de Abertura de Mercados, publicado em setembro de 2015 pela Câmara de Comércio Internacional (CCI), coloca o Brasil na 70ª posição entre 75 países, ficando atrás da Argentina, Nigéria e Uganda (ranking é organizado por grau de abertura comercial, da maior para a menor).

Dessa forma, recebemos menos investimentos de fora do que poderíamos. “E isso atrapalha o turismo. Um exemplo é Brasília não ter Hyatt, Hilton ou Sheraton, grandes nomes da hotelaria mundial”, diz Vinicius, da Embratur. Essa atitude conservadora reflete também na burocracia para entrar no País. 

governo defende a reciprocidade, ou seja, que nós exijamos visto dos países que o requerem para nós. A prática é comum no mundo todo – não se trata de uma aberração do Itamaraty.

Despreparo: a sinalização monoglota e a falta de prestadores de serviço que se comuniquem em inglês podem complicar a vida de um turista, e estão entre os porquês de recebermos poucos visitantes

Mas é fato que requisitar visto de Japão, Austrália, Canadá e, principalmente, dos EUA e da China diminui consideravelmente a chance de esses turistas virem passar as férias por aqui – péssimo negócio se você levar em conta que chineses e americanos são os viajantes que mais gastam no mundo.

O fim da reciprocidade diplomática beneficiaria a nossa economia”, diz Mario Ferraz. Ou seja: estamos rasgando dinheiro para manter o improdutivo olho por olho da diplomacia. Tendo em vista essas dificuldades todas, então, já dá para considerar heróis os 5 milhões de turistas que chegam ao Brasil.

E o que eles pensam do País depois de passar uma temporada por aqui? Bom, de acordo com uma pesquisa do Ministério do Turismo feita em 2014, no fim da viagem, 95% deles demonstram intenção de voltar. 

Ou seja, mesmo com todas as adversidades, conseguimos conquistar quem vem. Resta fazer com que mais gente venha. 

OS PROBLEMAS DO BRASIL

1. Portos ruins 
Aportar no Brasil sai 20 vezes mais caro do que lá fora. Culpa do mau estado dos portos e da burocracia. Nisso, os cruzeiros fogem daqui.

2. Parques largados
Dos nossos 71 parques nacionais, poucos têm trilhas sinalizadas, guias, áreas decamping e pousadas. Resultado: eles recebem só 7,1 milhões de visitantes por ano, contra 307 milhões nos dos EUA.

3. Despreparo
A sinalização monoglota e a falta de prestadores de serviço que se comuniquem em inglês podem complicar a vida de um turista, e estão entre os porquês de recebermos poucos visitantes.

Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Superinteressante.

https://exame.abril.com.br/brasil/por-que-ninguem-viaja-para-o-brasil/

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