terça-feira, 9 de maio de 2017

Raízes libanesas em Marabá

Sepultura de Melhem Abrão Behambouny  - Foto: Arnilson Assis
Até as últimas décadas do século XIX, na região onde atualmente está localizada a cidade de Marabá, havia apenas matas virgens, pastos verdes para a criação de gado e, uma tribo de índios, os gaviões. Entre 1890 e 1895 chegou naquela região um homem chamado Carlos Gomes Leitão, que havia fugido de Tocantinópolis, em Goiás, após perder a chefia política do local e, seu irmão, morto por seus adversários políticos. O coronel Carlos, como era conhecido, ao chegar entre os rios Araguaia e Tocantins, acampou juntamente com alguns amigos e correligionários que o acompanhavam. Logo depois, chegou Francisco Coelho da Silva, vindo de Grajaú, no Maranhão, trazendo um pequeno rebanho de gado, o qual seria vendido em Alcobaça (atual Tucuruí). Entretanto, como o gado precisava de alimento e descanso, ele parou em Marabá, gostou e acabou vendendo seu rebanho para o coronel Carlos, resolvendo ficar no lugar, onde construiu um armazém, matadouro e algumas casas. Assim, deu-se início à cidade de Marabá.

Esse novo vilarejo progrediu rapidamente, pois a população aumentava com pessoas vindas diariamente das cidades vizinhas, e dos Estados do Maranhão e Goiás, atraídas pela descoberta do caucho. As caravanas de “caucheiros” passaram a se embrenhar nas matas para explorar o látex, produto de considerável valor monetário na época.

A maioria desses libaneses que primeiramente aportou no Maranhão, veio para Marabá, atraída pelo látex, acompanhando a marcha de migração juntamente com os maranhenses e goianos. O número de libaneses em Marabá aumentou vertiginosamente, ficando registrado na história da cidade, onde participaram ativamente ao lado dos nativos e da população existente na construção de Marabá, que desde a sua fundação sonha em ser o maior município do Estado do Pará.

Com o crescimento da população e o avanço de Marabá no período de 1895 a 1913, as relações entre o homem e a natureza, e o homem com ele próprio se modificaram. Os libaneses estavam no meio dessa luta, participando incansavelmente na desbravação das florestas, na luta contra os animais ferozes e as flechas dos valentes índios e, ainda, esforçando-se em arranjar transportes tanto para trazer alimentos e roupas que necessitavam, como também para vender seus produtos para as cidades vizinhas.

A história de Marabá escrita em 1984, com o apoio da então prefeitura municipal, registra na página 94, o seguinte:

Em 1911 o libanês Antônio Fares, foi com 10 homens contratados para extrair borracha nas matas do igarapé Fleixeira, neste município. Lá foram atacados pelos índios gaviões e no combate Antônio Fares foi flechado no estômago. Transportaram o ferido para Marabá, onde o dr. Bandeira não conseguiu extrair a flecha, vindo ferido a falecer em consequência do ferimento, sendo sepultado no cemitério desta cidade...
... Em 1908 seguiu de Marabá para o rio do Coco, com 10 homens contratados para extrair borracha, o libanês Jorge Braz, que levou mercadorias, ferramentas, armas e munição. Ele foi assassinado por um seu contratado, Casemiro, que lhe roubou todo o dinheiro que pôde, bem como um anel de brilhante e outras jóias...”

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Jazigo de Uadi Moussallem - Foto: Arnilson Assis
Em 27 de fevereiro de 1913 foi assinado o decreto-lei número 1.278 criando o município de Marabá. Nessa época não existia o serviço de telégrafo, então mandaram um telegrama via Imperatriz, no Maranhão, no dia 14 de março daquele mesmo ano. O encarregado da “Lancha Grande”, Salatiel Queiroz, foi quem recebeu o telegrama, conhecido como o “Telegrama da Boa Nova”, então mandou confeccionar uma faixa com os dizeres: “Boa Nova”, que afixou na parte superior da lancha toda enfeitada. Quando chegou em Marabá, foi recebido com festejos pela população, entre fogos e tiros de revólveres calibres 38 e 44. Entre as personalidades de Marabá que foram para o cais da cidade recebe-lo, destacavam-se os libaneses Uadi Moussallem, Salim Jorge Moussallem, Felippe Yagh, Miguel Chuquia, Daher Facury, Salim Jorge Moussallem, Felippe Yagh, Miguel Chuquia, Daher Facury, Anísio (Hadad) Ferreira, Salomão Amury, entre outros. A primeira embarcação a motor do médio e alto Tocantins-Araguaia da época foi o “Pedrinha”, que atracou no porto de Marabá em 1916 e era de propriedade do libanês Alfredo Rodrigues Monção.

Em Marabá, os libaneses se misturaram rapidamente, casando seus filhos e filhas com brasileiros. Nagib Amury casou-se com Rita, sobrinha do coronel João Anastácio de Queiroz; José Amury casou-se com Alice Sylau Amury, Moisés Jadão casou-se com a jovem Pulquéria Rodrigues. Muitos casaram-se e logo tornaram-se marabaenses, paraenses, portanto, brasileiros. Esses libaneses não ficavam em suas lojas preparando o aviamento para seus seringueiros. Os imigrantes libaneses iam com seus seringueiros para as matas tirar látex, para os garimpos tirar diamantes, para os castanhais colher castanhas, quebrando seus ouriços, caçando e pescando sua comida, ao lado do caboclo paraense.


Libaneses na primeira administração pública

A boa relação e o envolvimento destes na lida diária permitiram que ocupassem cargos políticos importantes, os libaneses imediatamente destacavam-se. Em 1920, foi eleito o intendente de Marabá, coronel João Anastácio de Queiroz, e seus oito vogais, entre eles estavam Uady Moussallem, primeiro libanês em cargo público. Além de Uady, apareceram outros nomes de libaneses na primeira administração pública de Marabá: João Chamoun, Leão Stanidilli, Daher Facury, Salim Jorge Moussallem e Felippe Yagh. Entretanto,  havia outros comerciantes libaneses: João Salame, Uady Moussallem, Jorge Braz, Jorge Miguel Matne, Jorge Chamoun, Abdon Athiê Coury, e Daryo Facury. Os primeiros criadores de gado foram Uady Moussallem e João Chamoun. Em 1923, Moisés Jadão e seu irmão Ibrahim Jadão introduziram na frota fluvial de Marabá o motor a gasolina. Abaixo quadro com as principais famílias de libaneses que escolheram a nossa cidade:



A Família Mutran e a Oligarquia da Castanha

Em 1920, o Ciclo da Borracha entrou em declínio dando início a um novo ciclo, o da Castanha. Entre os 28 castanhais em conflito, 8 eram de famílias libanesas. A família Bitar foi a primeira que comercializou a castanha de Tucuruí a um preço barato. Logo depois vieram os irmãos Chamoun fazer concorrência, o que ocasionou o aumento dos preços da castanha. Com a vinda dos Mutran, a concorrência pela exploração dos castanhais ficou acirrada, passando a receber influências politicas. Tanto que na época do Ciclo da Castanha, Marabá viveu uma forte disputa de poder, que perdura até hoje. De um lado os Mutran e seus aliados e, de outro lado, os contra.

Os primeiros imigrantes da família Mutran chegaram a Marabá nos meados da década de 1920, vindos do Maranhão, primeiro lugar onde aportaram quando chegaram do Líbano. Atraídos pela fama da borracha e da castanha. Em Marabá, naquela época, a exploração das riquezas naturais dependia e muito da relação desta com o homem, dependia da força física e da possibilidade de aviamento (alimentação e material para se manter nas matas por longos períodos), além disso, dependia também da influência política do “patrão” em legalizar os castanhais. Desta forma, começou a luta entre os grupos de exploradores para apropriar-se da maior área de castanhais e registrar suas terras.

Segundo nossas pesquisas, os Mutran foram os que conquistaram a maior parte das áreas de castanhais em Marabá, pois eram a família que mais obtinha poder político, econômico e social. Por todos estes fatos, muitos pesquisadores, ao analisarem a exploração da castanha em Marabá, em suas teses relatam histórias contra a família Mutran. E, por muitas vezes, caíram em erros históricos, acarretando a desconfiança da veracidade de suas obras, a exemplo do livro “A oligarquia do Tocantins e o Domínio dos Castanhais”, segunda edição, da autora Marília Emmi, que na página 39 relata o seguinte:

“... segundo o informante, nesse conflito tornou-se evidente a solidariedade comercial dos libaneses. O conflito teria tomado proporções tais, envolvendo, inclusive, gestões do Consulado do Líbano e no Governo do Para, que mandou um representante para mediar o conflito...” Esses autores fazem parecer que a família Mutran era a única a explorar os colonos, quando a briga maior não era essa e, sim, a luta por áreas de castanhais entre os Mutran e os outros grupos exploradores que, no lugar deles, fariam a mesma coisa, ou até pior. Se existiu algum culpado, este foi o sistema oligárquico vigente no Brasil.

Muitas histórias e fatos começaram a aparecer sobre a família Mutran, porém foram cessados logo que Nagib Mutran tomou posse da Prefeitura de Marabá em 1958. Em quatro anos de governo fez de Marabá o primeiro município do Estado do Pará a ter ruas asfaltadas, energia elétrica e investimentos na educação e saúde, isto é, uma cidade exemplar, tanto que até hoje comenta-se que ele foi um dos melhores prefeitos que Marabá já teve. Em 1963, foi eleito deputado estadual, quando, por seus próprios interesses deixou a UDN e filiou-se ao PSD.

Hoje a marcha do progresso mundial cresce juntamente com a mentalidade do egoísmo e a necessidade humana. A exploração das riquezas naturais deixou de ser feita braçalmente pelos homens e passou para os donos dos maquinários de avançadas tecnologias. A família Mutran, juntamente com os outros grupos monopolizadores, exploradores das riquezas de Marabá, sentiram-se impotentes diante das grandes empresas que se instalaram na região, como a Companhia Vale do Rio Doce. Assim, desistiram da concorrência, deixando espaço a esse grupos empreendedores.

Jazigo de Kalil Mutran (1875-1952) - Foto: Arnilson de Assis
Atualmente, os Mutran são considerados os maiores criadores de bois e cavalos de raça, tornaram-se um dos maiores pecuaristas do Brasil. Também fazem o beneficiamento e a exploração da castanha-do-Pará. Sua nova geração é bem diferente dos seus antepassados. É uma geração mais culta e atualizada. Eles possuem a bagagem hereditária de Khalil Mutran, maior poeta da liberdade de todo o Oriente e Ocidente árabes, onde suas poesias “Nero” e “Bezer Jumar” são orientações para a libertação do homem. A herança cultural aflorou na nova geração dos Mutran, renascendo o espirito renovador que, além de valorizar suas raízes, sugere uma grande esperança para suas próximas gerações.


Fonte: Livro Raízes Libanesas no Pará, de autoria de Assaad Zaidan, 2001.

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