RIO - O Rio não tem favela. Ou, pelo menos, é o que parece nos mapas
oficiais da Riotur distribuídos a turistas. A contradição entre o material
impresso e a realidade é tanta que quem passeia com ele na mão pode ficar sem
entender nada: nos folhetos, no lugar de favelas como a Dona Marta, só se vê
florestas ou espaços vazios. A gigante Rocinha foi praticamente apagada: na
localização da comunidade, aparece apenas o nome do bairro e poucas ruas,
perdidas em meio a duas áreas verdes. Sequer com nomes citados no gráfico, o
Chapéu Mangueira e a Babilônia se resumem a trechos de mata contornando a orla
do Leme. Mapas deixam de fora cerca de 1,4 milhão de moradores do Rio,
de acordo com o censo de 2010 do IBGE
Exemplos de distorções
O mapa turístico oficial do Rio de Janeiro impresso pela Riotur esconde
favelas da cidade como a Dona Marta, a Babilônia e o Cantagalo, na Zona Sul.
Veja abaixo, como essas e outras comunidades aparecem no material da Riotur e no
Google Maps:
Com essa representação da geografia carioca, os mapas deixam de fora
cerca de 1,4 milhão de moradores do Rio, de acordo com o censo de 2010 do IBGE.
Mas, na hora de vender os roteiros pela cidade, essa população não é deixada de
lado. Na revista oficial da mesma Riotur, as favelas aparecem na sessão “Tours
especiais”, espécie de classificados de empresas que fazem circuitos turísticos
pelas comunidades.
— É triste ver que um órgão promotor do Rio mantém esse estigma
antifavelas. Pelo mapa, é como se elas não existissem. Não podemos apagá-las da
nossa paisagem. Vivemos momentos difíceis, sabemos que o turista não pode
entrar nesses territórios quando não há segurança. Mas o turismo pode ser uma
forma de integrar as comunidades mais pobres ao restante da cidade — afirma
Pedro da Luz, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio (IAB-RJ).
'É UM RETROCESSO'
“Esconder” comunidades não é um fenômeno novo. Nos mapas anteriores da
Riotur, as favelas também foram camufladas. Até mesmo em 2014 e 2016, na Copa
do Mundo e na Olimpíada, não havia menções aos morros cariocas nos folders
entregues a visitantes.
— Em 1992, quando o Rio sediou a conferência mundial da ONU sobre meio
ambiente e desenvolvimento, havia um posicionamento para que nenhuma favela
fosse representada nos mapas oficiais. Manter essa mesma política é um
retrocesso de mais de 25 anos. É um absurdo — critica o geógrafo Jailson de
Souza e Silva, um dos fundadores do Observatório das Favelas.
Os mapas atuais foram produzidos pela própria Riotur, por meio de um
levantamento aéreo. O primeiro guia do tipo saiu há dez anos, num trabalho da
cartógrafa de Curitiba Mirian Isabel Say. E, de tempos em tempos, as cartas são
atualizadas com novas informações da cidade, com base também em informações do
Instituto Pereira Passos (IPP). Porém, diferentemente da empresa municipal de
turismo, o IPP dá a localização das favelas em seus mapas.
Procurada pelo GLOBO, a Riotur afirmou, num primeiro momento, que, por
ser uma publicação para os visitantes, seu mapa precisa focar “apenas os pontos
turísticos”. Por isso, não haveria espaço para citar os morros. Porém,
questionada mais uma vez, a empresa informou que a cartografia foi feita pela
gestão anterior, de Antônio Pedro Figueira de Mello. Segundo a atual
administração, recentemente o gráfico foi atualizado com novos sistemas de
transportes, como o BRT e o VLT.
A Riotur informou ainda que só quem poderia falar sobre os mapas seria
Mirian Say. Procurada, a cartógrafa justificou que as favelas não precisam
estar representadas porque não são consideradas áreas regularizadas e, por
isso, podem mudar permanentemente. No entanto, ela faz uma ressalva:
— Esse mapa tem finalidade turística, e, como cartógrafos, procuramos
colocar nomes oficiais, definidos por decretos. Mas, acredito que, se nas áreas
de favelas existem equipamentos turísticos, como hostels e pousadas, a Riotur
deveria rever e incluí-las na próxima publicação. Para nós, cartógrafos, essas
críticas são um incentivo para que o trabalho possa ser feito de forma mais
efetiva.
EMPREENDEDORES LAMENTAM
Com vista para o Corcovado e o Pão de Açúcar, o Bar do Tino, no Morro
dos Prazeres, em Santa Teresa, virou point disputado por turistas e famosos no
auge da política de pacificação. Apesar dos prejuízos amargados com a crise do
estado, que atingiu em cheio a segurança pública, a família do paraibano
Severino Alves resiste com o negócio. Deixar a favela de fora do mapa da Riotur
é mais um baque nas aspirações de comerciantes que, como ele, investiram nas
comunidades:
— Isso só faz aumentar o preconceito em relação às favelas — lamenta
Leandro Santana, um dos filhos de Severino. — Muitos investiram e ajudaram a
colocá-las na moda. Todo mundo queria subir as comunidades. Infelizmente, há o
risco de isso acabar.
Na opinião de David Bispo, do badalado Bar do David, no Chapéu
Mangueira, o mapa da Riotur vai na contramão do que boa parte dos visitantes
quer ver na cidade.
— Hoje, o turista não quer simplesmente parar no Cristo Redentor e no
Pão de Açúcar. Ele quer ver a realidade de perto. Aqui, recebo gente do mundo
inteiro, tornei-me um anfitrião na cidade — afirma David, que não esconde a
mágoa ao saber que o Chapéu Mangueira não consta do guia da Riotur. — A favela
é sempre excluída.
Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio
(ABIH-RJ), Alfredo Lopes defende a inclusão das favelas no mapa, mas pondera:
— Avenidas e ruas perto das comunidades que não são seguras deveriam ter
placas avisando que estão fora de interesse turístico — sugere Lopes, lembrando
casos de estrangeiros atacados pelo tráfico ao seguirem aplicativos de
trânsito.
Mapa divulgado pela Riotur
MorroSantoAmaro
MorroDonaMarta
MorrodaBabilônia
MorrodosCabritos
MorrodoCantagalo
MORRO DA BABILÔNIA
Mapa Riotur
Google Maps
MORRO DOS CABRITOS
Fonte: Riotur
Editoria de Arte
Mapa Riotur
Google Maps
MORRO DONA MARTA
Mapa Riotur
Google Maps
MORRO SANTO AMARO
Mapa Riotur
Google Maps
MORRO DO CANTAGALO
Mapa Riotur
Google Maps
Fonte: Google Maps / Riotur
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