Homem posa para foto na Praça de São Marcos, Veneza (Manuel Silvestri/Reuters) |
Artigo de Sally Everett, vice-reitora da Escola de Negócios da
Anglia Ruskin University
Foi reportado recentemente que nos cafés de
Bruges, na Bélgica, a batata frita é 10% mais cara para os turistas do
que para os locais. Isso é explicado como um “desconto para o consumidor leal”,
mas coloca os turistas automaticamente na faixa de preço mais alta.
Isso me lembrou de uma conversa que eu ouvi
entre dois turistas na Sicília. Eles sentiam que eram considerados “carteiras
ambulantes” pelos donos de negócios locais, um sentimento que eu frequentemente
ouvi ser evocado por turistas ao caminharem por ruas estrangeiras.
O turismo já há muito tempo é visto como um
caminho para a prosperidade econômica e uma fonte de receitas mais alta. É uma
das principais indústrias mundiais, com uma contribuição econômica global acima
de US$ 7,6 trilhões.
A Organização Mundial de Turismo, das Nações
Unidas, projeta que até 2030, o número de desembarques internacionais de
turistas chegará a 1,8 bilhão. Com um em 10 empregos no planeta dependendo do
turismo (292 milhões de pessoas) e o equivalente a 10% do PIB global, não
surpreende que as comunidades anfitriãs queiram desfrutar ao máximo das
oportunidades que ele traz.
Um dos lugares mais famosos de aumentos de
preços para visitantes é Veneza.
O sistema de “duas faixas” usado pela cidade se tornou tão extremo que uma
reclamação chegou na Comissão Europeia em 2015 alegando práticas
discriminatórias contra turistas (e foi rejeitada).
E quando a Tailândia planejou introduzir um
aumento nas taxas de parques nacionais em 2015, ficou claro que os preços mais
altos seriam para os turistas e não para os locais. As taxas mais altas para
“crianças e adultos estrangeiros” passaram a valer em fevereiro de 2015.
Preços diferenciados como estes parecem
injustos. Mas se os locais começassem a pagar os mesmos preços dos turistas, é
provável que muitos deles seriam impedidos de desfrutar dos patrimônios de suas
próprias comunidades. Muitos não conseguiriam pagar o preço de suas próprias
moradias. Seus salários raramente se aproximam do nível dos viajantes
recebidos.
Guias de viagem são sempre os primeiros a
alertar para você “não pagar o primeiro preço oferecido” em mercados locais.
Preciso admitir, eu já tentei frequentemente “parecer uma local” escondendo
minha câmera para evitar pagar “preço de turista”.
Mas eis uma argumento moral: a disposição
para pagar preços mais altos pode na verdade representar uma abordagem mais
responsável da sua viagem.
Um sistema de turismo de duas vias, em que os
locais são cobrados menos pelo mesmo produto, pode ser uma forma de implementar
práticas sustentáveis de turismo e proteger recursos valiosos.
Devemos considerar o impacto no longo prazo
de pessoas passando por um mesmo local durante períodos curtos e intensos,
frequentemente tirando apenas uma foto antes de voltar para seus grandes ônibus
de turismo.
Questões de sustentabilidade precisam ser
combinadas com uma consciência maior da dependência local do turismo onde as
indústrias tradicionais decaíram e os recursos naturais foram esgotados.
Esperar que os turistas paguem mais para
proteger e manter os locais de que desfrutam é moralmente defensável, seja em
Bruges, Veneza ou Tailândia.
Uma forma de “imposto do turista” sobre
comida, acomodação e atrações pode parecer injusto (ou mesmo discriminatório),
mas o turismo não deveria ser uma transação de mão única. Os visitantes
estrangeiros frequentemente colocam uma pressão significativa sobre recursos
escassos e limitados em certos períodos do ano. Todos precisamos reconhecer
esse impacto.
O conceito de “turismo pró-pobre” é uma das
abordagens. Esta estratégia nos encoraja a ver o turismo como uma ferramenta
para o alívio da pobreza, especialmente em alguns países que tem poucos
recursos naturais ou mercados para exportação.
A habilidade dos gastos de turistas de trazer
benefícios sociais, econômicos e culturais não deve ser subestimada. Uma
gorjeta generosa ou a disposição de pagar mais diz muito sobre reconhecer a
pressão (e dano) que os turistas podem colocar sobre infraestruturas frágeis e
comunidades.
Reconhecer a contribuição positiva que
turistas podem fazer é importante, mas é claro que precisamos ficar atentos
para quando “impostos do turista” informais e práticas inflacionárias se
tornarem exploradoras e fraudulentas.
Quando uma família em Roma foi cobrada 54
euros por quatro sorvetes, isso chegou aos jornais internacionais, levantando
preocupações sobre como alguns operadores aumentam preços para visitantes.
Mas o exemplo é extremo, e uma simples
checagem de preço antes da compra teria ajudado a família a evitar essa
situação desagradável. Talvez mais preocupante seja o aumento de esquemas
sofisticados que envolvem troca de bens, atos de fraude e falsas histórias de
provação para extrair dinheiro de visitantes ingênuos.
Ser turista sempre inevitavelmente envolverá
custos escondidos e adicionais. Alguns se justificam. Um grau de sensibilidade
com as necessidades locais e com a responsabilidade social, na direção de
recuperar os recursos e reparar o dano, precisa ser balanceado com a
ingenuidade (e às vezes estupidez) com que fazemos nossas transações nas
férias.
Traduzido por João Pedro Caleiro com permissão da autora
http://exame.abril.com.br/economia/opiniao-por-que-turistas-devem-pagar-mais-do-que-locais/
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