quarta-feira, 12 de abril de 2017

Paraty, RJ bom exemplo do turismo cultural

Por que a Flip é uma festa literária e não uma feira de livros? Paraty (RJ) sempre foi palco de celebrações que reúnem a população local e o público de fora. Somente num lugar como esse, em que a rua é o principal espaço para a manifestação cultural, seria possível estabelecer uma intersecção sem objetivos comerciais entre a literatura e a cidade.

Isso não significa que a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) não se preocupe com a economia. Criada em 2003, a festa demonstra que um evento essencialmente cultural é, sim, capaz de catalisar uma segunda alta estação, em pleno inverno, e movimentar negócios que, de outra forma, ficariam ociosos.


A Associação Casa Azul, organização sem fins lucrativos que concebe e realiza a Flip, se debruça desde os anos 1990 sobre as possibilidades do território de Paraty. Por meio desse trabalho de longo prazo, a cidade foi reconhecida como local de referência para o turismo cultural e, em 2015, premiada pelo Ministério do Turismo como destino turístico que mais evoluiu em temas como monitoramento e economia local.

Essas conquistas devem muito ao plano Mar de Cultura, de 2008 -processo participativo coordenado pela Casa Azul, com um conjunto de atores públicos e privados, sob a consultoria de Josep Chias, responsável pelo plano estratégico para a Olimpíada de Barcelona, em 1992 - talvez a única edição dos Jogos que tenha, de fato, conseguido promover uma transformação urbana efetiva e permanente.

Essa visão norteia todo o trabalho da Casa Azul em Paraty, que se estende ao longo do ano inteiro. Antes da primeira Flip, a cidade contava com apenas três bibliotecas. Durante a última década, ajudamos a montar 27 novas unidades, entre bibliotecas comunitárias e escolares.

A Biblioteca Casa Azul conta com um acervo de 15 mil livros e realiza oficinas preparatórias para o Enem. Anualmente, são doados cerca de 2.000 livros dos autores convidados da programação infantil para os estudantes de Paraty.

Além do mais, com foco na democratização, a programação da Flip é disponibilizada de maneira gratuita: nesta última edição, a praça do Telão, onde os debates são transmitidos, teve mais de 12 mil acessos.

A Flip é uma manifestação cultural desenhada a partir do desafio de a cidade receber os visitantes sem perder a identidade. A experiência não se esgota nos dias de festa.

Se a educação, a cultura e o incentivo à leitura são braços importantes do trabalho de permanência, a qualificação urbana participativa também está na raiz de nossa atuação.
Em 2012, entregamos o restauro da praça da Matriz, uma das 143 ações do plano Mar de Cultura.

Em vez de encomendarmos novos bancos de madeira a uma grande indústria de fora, optamos por incluir no projeto a capacitação de carpinteiros locais para confeccioná-los.
Trata-se do mesmo raciocínio adotado na produção da Flip, que prioriza a escolha de profissionais paratienses.

Essa articulação com as lideranças locais é fundamental para atuar com a realidade que se apresenta hoje. Paraty, terceira cidade mais violenta do Rio de Janeiro, vive um momento delicado.

Crimes relacionados ao tráfico de drogas e à especulação imobiliária ganham o noticiário nacional, enquanto o turismo predatório ameaça as comunidades caiçaras.

Para enfrentar esse desafio, inclusive o de sanar os problemas econômicos, os 20 anos de experiência mostram que a chave está na interação entre as áreas de cultura, educação, arquitetura e urbanismo. Esse é o caminho que escolhemos trilhar.


MAURO MUNHOZ, arquiteto e urbanista, é diretor da Associação Casa Azul e da Flip

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/08/1797818-flip-demonstra-que-evento-cultural-e-capaz-de-alavancar-uma-cidade.shtml

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