Por que a Flip é uma festa
literária e não uma feira de livros? Paraty (RJ) sempre foi palco de
celebrações que reúnem a população local e o público de fora. Somente num lugar
como esse, em que a rua é o principal espaço para a manifestação cultural,
seria possível estabelecer uma intersecção sem objetivos comerciais entre a
literatura e a cidade.
Isso não significa que a Flip
(Festa Literária Internacional de Paraty) não se preocupe com a economia.
Criada em 2003, a festa demonstra que um evento essencialmente cultural é, sim,
capaz de catalisar uma segunda alta estação, em pleno inverno, e movimentar
negócios que, de outra forma, ficariam ociosos.
A Associação Casa Azul,
organização sem fins lucrativos que concebe e realiza a Flip, se debruça desde
os anos 1990 sobre as possibilidades do território de Paraty. Por meio desse trabalho de
longo prazo, a cidade foi reconhecida como local de referência para o turismo
cultural e, em 2015, premiada pelo Ministério do Turismo como destino turístico
que mais evoluiu em temas como monitoramento e economia local.
Essas conquistas devem muito ao
plano Mar de Cultura, de 2008 -processo participativo coordenado pela Casa
Azul, com um conjunto de atores públicos e privados, sob a consultoria de Josep
Chias, responsável pelo plano estratégico para a Olimpíada de Barcelona, em
1992 - talvez a única edição dos Jogos que tenha, de fato, conseguido promover
uma transformação urbana efetiva e permanente.
Essa visão norteia todo o trabalho da Casa Azul em Paraty, que se
estende ao longo do ano inteiro. Antes da primeira Flip, a cidade contava com
apenas três bibliotecas. Durante a última década, ajudamos a montar 27 novas
unidades, entre bibliotecas comunitárias e escolares.
A
Biblioteca Casa Azul conta com um acervo de 15 mil livros e realiza oficinas
preparatórias para o Enem. Anualmente, são doados cerca de 2.000 livros dos
autores convidados da programação infantil para os estudantes de Paraty.
Além
do mais, com foco na democratização, a programação da Flip é disponibilizada de
maneira gratuita: nesta última edição, a praça do Telão, onde os debates são
transmitidos, teve mais de 12 mil acessos.
A
Flip é uma manifestação cultural desenhada a partir do desafio de a cidade
receber os visitantes sem perder a identidade. A experiência não se esgota nos
dias de festa.
Se a educação, a cultura e o incentivo à leitura são braços importantes do
trabalho de permanência, a qualificação urbana participativa também está na
raiz de nossa atuação.
Em
2012, entregamos o restauro da praça da Matriz, uma das 143 ações do plano Mar
de Cultura.
Em
vez de encomendarmos novos bancos de madeira a uma grande indústria de fora,
optamos por incluir no projeto a capacitação de carpinteiros locais para
confeccioná-los.
Trata-se do mesmo raciocínio adotado na produção da Flip, que prioriza a escolha de profissionais paratienses.
Trata-se do mesmo raciocínio adotado na produção da Flip, que prioriza a escolha de profissionais paratienses.
Essa
articulação com as lideranças locais é fundamental para atuar com a realidade
que se apresenta hoje. Paraty, terceira cidade mais violenta do Rio de Janeiro,
vive um momento delicado.
Crimes
relacionados ao tráfico de drogas e à especulação imobiliária ganham o
noticiário nacional, enquanto o turismo predatório ameaça as comunidades
caiçaras.
Para
enfrentar esse desafio, inclusive o de sanar os problemas econômicos, os 20
anos de experiência mostram que a chave está na interação entre as áreas de
cultura, educação, arquitetura e urbanismo. Esse é o caminho que escolhemos trilhar.
MAURO MUNHOZ,
arquiteto e urbanista, é diretor da Associação Casa Azul e da Flip
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/08/1797818-flip-demonstra-que-evento-cultural-e-capaz-de-alavancar-uma-cidade.shtml
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